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Corregedor modifica entendimento sobre competência do CNJ para regulamentar o tema e determina provimento em prejuízo do ambiente de negócios nacional.

No dia 5/6/24, o Corregedor Nacional de Justiça ministro Luis Felipe Salomão, determinou “acrescentar o Capítulo VI ao Título Único do Livro III da Parte Especial do Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça – Foro Extrajudicial (CNN/CN/CNJ-Extra)”. Tal capítulo estabelece que a permissão de constituição de alienação fiduciária de bens imóveis por instrumento particular, conforme previsão do art. 38 da lei 9.514/97, é restrita às entidades participantes do SFI – Sistema de Financiamento Imobiliário, bem como às outras exceções previstas na legislação. 

Equívoca leitura do precedente

Na decisão, o Corregedor afirma que o próprio CNJ já teria entendido, no julgamento do Procedimento de Controle Administrativo 0000145-56.2018.2.00.0000, pela restrição da utilização de instrumentos particulares para constituição de alienação fiduciária às entidades do SFI, de modo que seria que “imperiosa necessidade desta Corregedoria Nacional de Justiça regulamentar o tema em apreço”. Este posicionamento, entretanto, vai em contramão do entendimento colocado no mencionado PCA, no qual o relator Conselheiro Mario Goulart Maia, acompanhado pelos demais conselheiros, votou pela incompetência do órgão para regulamentar a questão:

“não me parece acertada a compreensão de que compete ao CNJ definir a melhor interpretação da legislação federal em comento, dados os desdobramentos daí advindos (instabilidade jurídica na região, eventuais ações judiciais a discutir a questão, possível interferência na atividade jurisdicional, ausência de contraditório e ampla defesa aos diretamente atingidos pela deliberação, possível descontrole dos registros imobiliários da região, desorientação patrimonial, entre outros). Aliás, acredito que o CNJ agirá fora de seu espectro de competência se assim proceder.”

Resume a ementa do acórdão que “refoge ao Conselho Nacional de Justiça intervir no ou mesmo expedir ato normativo para os órgãos do Poder Judiciário com vistas a disciplinar a matéria.” Logo, regular a forma de escritura pública para o instrumento de constituição de alienação fiduciária não é competência do CNJ, tampouco do Corregedor Nacional de Justiça.

Analisando o voto do relator, verifica-se equívoca a interpretação do Corregedor de que o acórdão do CNJ teria ratificado provimento que limita o uso de instrumento particular para alienação fiduciária somente para entidades que operam no SFI, conforme definição do art. 2º da lei 9.514/97.

Todavia, não termina na demonstrada incompetência as críticas que a recente decisão do Corregedor e seu provimento podem sofrer. Isso porque no seu conteúdo se verificam incoerências (i) com a sistemática da lei 9514; (ii) com demais previsões do ordenamento jurídico que ratificam a possibilidade de utilização do instrumento particular de constituição de alienação fiduciária; e (iii) com os esforços legislativos para evolução do ordenamento jurídico do crédito e das garantias para incentivar o desenvolvimento econômico nacional.

Não respeito à sistemática da lei 9.514

A decisão informa que “Numa interpretação sistêmica, resta claro que o referido art. 38 somente autoriza a utilização de instrumento particular com efeito de escritura pública se formalizado por alguma das entidades integrantes do Sistema de Financiamento Imobiliário, previstas no art. 2° do mencionado diploma legal”.

Porém o artigo 2º está inserido no Capítulo I da Lei 9514, que é limitado ao SFI. A Lei 9514 conta ainda com mais 3 capítulos: Capítulo II, que trata da Alienação Fiduciária de Coisa Imóvel; Capítulo II-A, sobre o Refinanciamento com Transferência de Credor; e Capítulo III, das Disposições Gerais e Finais.

A princípio, por análise da topologia legal, denota-se que o SFI é instituído em capítulo próprio, assim como a Alienação Fiduciária de Coisa Imóvel, não resguardando qualquer relação de subsidiariedade ou subordinação entre si. Cada capítulo trata de institutos próprios e independentes.

Para que não restem dúvidas, esclarece o § 1º do art. 22, justamente o que inaugura o Capítulo II: “A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no SFI”. Ou seja, a lei esclarece que o instituto regulado em seu Capítulo II não está limitado ao sistema regulado no Capítulo I.

Logo, é indubitável que quando seu art. 38, no Capítulo III, dispõe que “Os atos e contratos referidos nesta lei (…) poderão ser celebrados por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública”, tal disposição não faz qualquer limitação ao Capítulo I, tampouco subordina o Capítulo II ao anterior. Entender o contrário importaria em dizer que todas as disposições previstas no Capítulo III aplicam-se tão somente ao SFI, o que não foi objetivo do legislador.

Como Ficam as Operações de CRI?

Também incoerente com a lei 9.514 ficaria a situação, por exemplo, das operações de emissão de CRI – Certificados de Recebíveis Imobiliários com lastro em dívidas corporativas, cuja alienação fiduciária de imóveis é constituída pelo proprietário do imóvel (fiduciante) em benefício da companhia securitizadora (credor fiduciário), que não se enquadra como entidade do SFI.

Na interpretação imposta pelo provimento, tal operação deveria considerar a lavratura de uma escritura pública para a constituição dessa garantia. Todavia, os CRI, hoje regulados pela lei 14.430/22 (Marco Legal da Securitização), foram originalmente criados pela própria lei 9.514. Ora se o art. 38 faz referência a “atos e contratos referidos nesta Lei ou resultantes da sua aplicação”, como pode o modelo de operação descrito prescindir da forma de escritura pública para constituição de sua garantia? A resposta correta é que não pode.

Incoerência com o Ordenamento Jurídico

Ainda, o artigo 9º-B da lei 13.476/17, deixou claro que alienação fiduciária compartilhada (instituída pela MP 992/20) e a extensão da alienação fiduciária (instituída pela lei 14.711/23 – Marco Legal das Garantias), podem ser celebradas e/ou formalizadas por instrumento público ou particular.

Vale ressaltar que o instituto da extensão da alienação fiduciária, conforme definido na lei vigente, é exclusivo às instituições do Sistema Financeiro Nacional, ou seja, muito mais abrangente que o SFI ao qual o provimento limita o uso do instrumento particular. Outrossim, o uso do instrumento particular na alienação fiduciária compartilhada, prevista na não mais vigente medida provisória, sequer limitação tinha.

Na contramão do desenvolvimento econômico

Verificou-se nos últimos anos um esforço legislativo em prol da melhora do ordenamento jurídico brasileiro para incentivar operações de crédito que impulsionem o desenvolvimento econômico nacional. Nesse sentido nasceram, por exemplo, os mencionados Marcos Legais da Securitização e das Garantias.

O provimento é, portanto, uma clara afronta ao objetivo proposto pelo legislador, pois aumenta sensivelmente os custos de transação das  operações de crédito nos mercados de capitais, financeiro e de securitização.

Conclusão

A decisão do Corregedor Nacional de Justiça de restringir a forma de constituição de alienação fiduciária em garantia sobre imóveis é uma ação que não apenas ultrapassa os limites de competência do CNJ, mas contraria os esforços legislativos recentes para modernizar e facilitar o acesso ao crédito no Brasil. A medida não apenas gera insegurança jurídica como aumenta os custos operacionais, prejudicando a circulação do crédito e o desenvolvimento econômico nacional.

Em última análise, é fundamental que se preserve a autonomia do legislador e se evite regulamentações excessivamente restritivas que possam tolher a eficácia das leis e prejudicar o ambiente negocial. A busca por segurança jurídica visa estabilidade econômica e requer um diálogo amplo e técnico entre os poderes, de forma a garantir um ambiente regulatório adequado e propício ao desenvolvimento.

Fonte: Migalhas

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